Ministério do Desenvolvimento estuda pedido de salvaguarda que poderá restringir a importação de vinhos no Brasil
Ana Clara Costa
Vinhos europeus, americanos e australianos: alíquota de importação poderá chegar a 55% (Matthieu Cellard)
Os
vinhos nacionais perdem mercado a cada ano para os importados. Em 2005,
eram trazidos ao país cerca de 37 milhões de litros de vinhos. Em 2011,
esse número saltou para 72 milhões de litros
A cartilha que prega a política de conteúdo nacional e
reserva de mercado no Brasil ganhou recentemente um novo capítulo. O
vilão, desta vez, é o vinho importado. No país da cerveja e da cachaça,
as 70 milhões de garrafas de vinho que chegam anualmente do exterior
incomodam de maneira contundente os produtores nacionais. Agora, eles
estão próximos de ganhar um pleito antigo: o do aumento do imposto de
importação de 27% para 55% para o produto vindo do exterior. O pedido,
articulado entre os grandes produtores vinícolas do Rio Grande do Sul, a
bancada gaúcha no Congresso e o governo do estado, prevê a implantação
de uma medida de salvaguarda para “proteger” os fabricantes locais da
chamada “invasão” de importados.
Se
aprovada, ela recairá sobre os produtos vindos da Europa, Estados
Unidos e Austrália e, possivelmente, do Chile – que é responsável por
36,6% das importações de vinhos no país. Argentina e Uruguai são
protegidos por uma cláusula do tratado de livre comércio do Mercosul que
prevê isenção de impostos para importação de vinhos finos – aqueles
produzidos a partir de cepas de boa qualidade, como malbec, por exemplo.
Contudo, o governo brasileiro poderá lançar mão de outras alternativas
para dificultar a aquisição destes bens dos vizinhos, como estabelecer o
sistema de licença não-automática aos lotes enviados ao Brasil –
prática usada constantemente pelo parceiros de Mercosul como barreira ao
livre comércio. Já o Chile, que também tem o benefício de alíquota zero
no imposto de importação, poderá ser alvo de cotas máximas (como o
Brasil pretende fazer com o México na questão automotiva), ou ter de
exportar ao país vinhos mais caros, que não concorram com a indústria
que abastece a classe média.
Vinhedos no Vale do Elqui, no Chile: país será o mais afetado por medida de salvaguarda
Discussões –
De acordo com Henrique Benedetti, presidente da União Brasileira de
Vitivinicultura (Uvibra), entidade que representa os produtores, há pelo
menos quatro medidas que podem ser tomadas pelo Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) para restringir as
importações: aumento de imposto, criação de cotas, definição de um
preço mínimo para o produto e a mudança na política de licenças para os
países do Mercosul. Segundo fontes ouvidas pelo site de VEJA, todas elas
já foram discutidas com a própria presidente Dilma Rousseff, no início
de fevereiro, quando ela visitou o município de Caxias do Sul (RS) para
abrir a tradicional Festa da Uva.
Atualmente,
um Grupo Técnico sobre Alterações Temporárias da Tarifa Externa Comum
do Mercosul (GTAT-TEC), gerenciado pela Câmara de Comércio Exterior
(Camex) do MDIC, analisa dados enviados pelas entidades do setor para
comprovar quão “nocivos” os vinhos estrangeiros são para a indústria
nacional. O MDIC investigará por cerca de um ano as estatísticas
setoriais e só então poderá tomar uma decisão sobre o pedido de
salvaguarda. Segundo a assessoria de comunicação do Ministério, não há
previsão para o término dos estudos técnicos e a pasta não irá se
pronunciar sobre esse tema por enquanto.
Concorrência –
De fato, os vinhos nacionais perdem mercado a cada ano para os
importados. Em 2005, eram trazidos ao país cerca de 37 milhões de litros
da bebida. Em 2011, esse número saltou para 72 milhões de litros de
acordo com números do Ministério do Desenvolvimento. Nesse período, a
produção nacional encolheu de 22 milhões de litros para 19 milhões de
litros, segundo dados da Uvibra. Em contrapartida, o dólar se
desvalorizou 33% em relação ao real e a renda do brasileiro aumenta a
cada ano. Além disso, o vinho ganha cada vez mais espaço no cotidiano
dos consumidores no país – muitas vezes graças aos baixos preços
praticados pelos produtores dos países vizinhos.
O
resultado é que o consumo aumentou, mas os produtores nacionais não
conseguiram aproveitar essa onda por falta de competitividade. “A culpa
não pode ser atribuída aos importadores, mas sim à própria estrutura
produtiva do Brasil que é pouco competitiva, o que não é novidade para a
indústria, infelizmente”, afirma Welber Barral, ex-secretário de
Comércio do MDIC e sócio da consultoria Barral MJorge Associados.
Reserva de mercado, de novo –
A situação absurda, neste caso, configura-se quando o próprio setor
produtivo, em vez de exigir melhores condições de competitividade,
articula com o governo a criação da reserva de mercado. “O problema não é
o custo Brasil e sim o fato de os produtores estrangeiros despejarem
seus produtos em nossos mercados porque a Europa e os Estados Unidos
estão consumindo menos”, argumenta Benedetti, da Uvibra, ao se referir à
queda no consumo de vinho dos países desenvolvidos devido à crise
financeira internacional. Segundo o empresário, que é dono da vinícola
Lovara, há concorrência desleal por parte de alguns portos do país, como
o de Itajaí (SC), que reduzem por conta própria a tributação do ICMS
para atrair importadores de vinhos a desembarcar em seus estados.
Na
Câmara dos Deputados, em vez de a discussão servir como forma de
pressão para que o governo execute reformas estruturais que desonerem a
indústria, deputados como Nelson Padovani (PSC-PR) proferem verdadeiras
odes ao protecionismo. Em discurso na Representação Brasileira no
Parlamento do Mercosul (Parlasul), o parlamentar mostrou-se indignado
com um projeto de retirar o imposto de importação sobre os vinhos
portugueses, que representam menos de 5% das importações do produto no
país. “Exatamente no momento em que o Rio Grande do Sul está passando
por crises por problemas climáticos, vem agora alguém – naturalmente a
pedido de algum importador – propor isenção aos vinhos importados. Ora,
aquele que consome o vinho importado – que é o segmento que mais cresce
no Brasil – é porque tem poder aquisitivo, então que pague o preço”,
disse.
Promessa de modernização –
A ideia dos produtores é que a barreira, seja ela qual for, permaneça
em vigor por, no mínimo, quatro anos, para que as vinícolas consigam
finalizar um plano de modernização iniciado três anos atrás – e ameaçado
pela queda do consumo de vinhos nacionais. A estimativa do setor é de
que haja um excedente anual de 40 milhões de garrafas. “No curto prazo,
isso (a reserva de mercado) irá ajudar os produtores. Mas e depois? Até
quando o Brasil vai precisar recorrer a esse tipo de medida?”, questiona
Antonio Cesar Longo, presidente da Associação Gaúcha de Supermercados
(AGAS). A resposta a esse enigma está na condescendência do Palácio do
Planalto, que já prometeu que dará “atenção especial” ao problema,
segundo afirmou ao site de VEJA uma fonte ligada ao assunto.